quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Catando pedras...

Obrigada sempre, aos queridos que lembram de remeter
para que eu possa postar...(nesse caso, tio Carlos)
 

  Assunto: Não há emoção no estado

Época de eleição é época de desvarios. A razão costuma  entrar em férias e a
sensibilidade fica à flor da pele. Em família e no trabalho, no clube e na
igreja, todos manifestam opiniões sobre articulações  políticas e candidatos.
O tom varia do palavrão a desqualificar toda a árvore  genealógica do candidato
à veneração acrítica de quem o julga perfeito. A  língua se espicha em sete
léguas para difamar ou louvar políticos. Marido  briga com a mulher, pai com o
filho, amigo com amigo, cada um convencido de  que possui a melhor análise sobre
os candidatos... e todos parecem ignorar que  vivemos numa relativa democracia
em que reina a diversidade de forças  políticas, embora impere a ideologia das
elites dominantes. 

Há um terceiro grupo que insiste em se manter  indiferente ao período eleitoral,
embora não o consiga em relação aos  candidatos, todos eles considerados
corruptos, mentirosos, aproveitadores e/ou  demagogos.
Haja coração!

O problema é que não há saída: estamos todos sujeitos  ao Estado. E este é
governado pelo partido vitorioso nas eleições. Portanto,  ficar indiferente é
uma forma de passar cheque em branco, assinado e de valor  ilimitado, a quem
governa. E tanto o governo quanto o Estado, com o perdão da  redundância, são
absolutamente indiferentes à nossa indiferença e aos nossos  protestos
individuais.

É compreensível uma pessoa não gostar de ópera, jiló,  viagem de avião ou da cor
marrom. E mesmo de política. Impossível é ignorar  que todos os aspectos de
nossa existência, do primeiro respiro ao último  suspiro, têm a ver com
política.

Já a classe social em que cada um de nós nasceu  decorre da política vigente no
país. Houvesse menos injustiça e mais partilha  dos bens da Terra e dos frutos
do trabalho humano, ninguém nasceria entre a  miséria e a pobreza. Como nenhum
de nós escolheu a família e a classe social  em que veio a este mundo, somos
todos filhos da loteria biológica. Nossa  condição social de origem resulta de
mero acaso. E não deveria ser considerado  privilégio por quem nasceu nas
classes média e rica, e sim dívida social para  com aqueles que não tiveram a
mesma sorte.

Somos ministeriados do nascimento à morte. Ao nascer,  o registro vai parar no
Ministério da Justiça. Vacinados, vamos ao Ministério  da Saúde; ao ingressar na
escola, ao da Educação; ao arranjar emprego, ao do  Trabalho; ao tirar carteira
de motorista, ao das Cidades; ao aposentar-se, ao  da Previdência Social; ao
morrer, retornamos ao Ministério da Justiça. E  nossas condições de vida, como
renda e alimentação, dependem dos ministérios  da Fazenda e do Planejamento, e
do modo como o Banco Central administra a  moeda nacional e o sistema
financeiro.
Em tudo há política. Para o bem ou para o mal. Posso  não saber o que a política
tem a ver com a conta do supermercado ou o valor da  matrícula escolar. Muitos
ignoram que a política se faz presente até no  calendário. Não que determine as
estações do ano, embora tenha tudo a ver com  os efeitos, como inundações, secas
e desabamentos. Já reparou que dezembro, o  último mês do ano, deriva de dez?
Novembro de nove, outubro de oito, setembro  de sete?
Outrora o ano era de dez meses. O  imperador Júlio César decidiu acrescentar um
mês em sua homenagem. Assim  nasceu julho. Seu sucessor, Augusto, não quis ficar
atrás. Criou agosto. Como  os meses se sucedem na alternância 31/30, Augusto não
admitiu que seu mês  tivesse menos dias que o do antecessor. Obrigou os
astrônomos da corte a  equipararem agosto e julho em 31 dias. Eles não se
fizeram de rogados:  arrancaram um dia de fevereiro e resolveram a questão.

O Brasil será, a partir de 1º de janeiro de 2011, o  resultado das eleições de
outubro. Para melhor ou para pior. E os que irão  governá-lo serão escolhidos
pelo voto de cada um de nós. E graças aos impostos  que pagamos eles irão
administrar – bem ou mal – os bilhões arrecadados pelo  fisco, incluídos os
salários dos políticos e o custo de seus gabinetes e  respectivas mordomias.
Faça como o Estado: deixe de lado a emoção e pense com  a razão. As instituições
públicas não têm vida própria. São movidas por  políticos e pessoas indicadas
por eles. Todos esses funcionários públicos, a  começar do presidente da
República, são nossos empregados. A nós devem prestar  contas. Temos o direito
de cobrar, exigir, pressionar, reivindicar, e eles o  dever de comprovar como
respondem às nossas  expectativas.

Convença-se disto: a autoridade é a  sociedade civil. Exerça-a. Não dê seu voto
a corruptos nem se deixe enganar  pela propaganda eleitoral. Vote no seu futuro.
Vote na justiça social, no  direito dos pobres à dignidade, na soberania
nacional.

*Frei Betto, escritor.