quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Viajante confesso.

“Tento relatar alguma coisa e, tão logo me calo, percebo que ainda não disse nada. Uma substancia densa maravilhosamente luminosa persiste em mim e zomba das palavras.Seria a língua que eu não entendia, quando estava lá e que agora, gradualmente se traduz para mim?” E.C.( Vozes de Marrakesh).

E assim se passaram 11 anos... num sopro!
Eu estava em Paris quando, e por acaso, caiu em minhas mãos um pequeno (grande) livro, cujo título, “Vozes de Marrakesh”, me chamou a atenção, até porque eu já havia lido do mesmo autor – Elias Canetti – “Auto de Fé” (um dos romances mais fortes e impressionantes que li em toda minha vida).
“Vozes de Marrakesh” eu considero como um ponto de chegada e ao mesmo tempo um ponto de partida, quase um divisor de águas em minha vida. O efeito foi tão avassalador como o de uma droga forte, e tão logo terminei de ler, ali mesmo em Paris, sem medir qualquer conseqüência ou consultar alguém, fui à agência de viagem mais próxima e comprei uma passagem de avião para Marrakesh, para espanto do amigo que me hospedava, e meu espanto também. Uma dessas loucuras sanas, que a gente às vezes comete sem nunca se arrepender, antes pelo contrário: só fez reforçar minha eterna gratidão aos poetas e aos filósofos, esses visionários de todos os tempos que já me levaram a viajar fundo, profundo e tão longe, sem mesmo ter cruzado a porta do meu quarto.

Em Marrakesh fiz exatamente o mesmo roteiro descrito no livro, mas vivendo outra experiência, tão ou mais forte quanto foi a leitura do livro, resultando em mais uma daquelas viagens que com o passar dos anos volta ao mesmo plano de onde havia começado: ao plano dos sonhos. Muitas vezes chego até a duvidar que as tenha feito um dia.

Com suas fantásticas cidades imperiais e seus desertos, mais do que abrir as portas do oriente, o Marrocos, país que visitei diversas vezes, abriu as portas do mundo para mim. Desde então tenho visitado pelo menos um novo país a cada ano, e são a literatura e a minha inquietude, somadas à minha curiosidade nascente, que não me dão trégua (mas me dão régua e compasso, e não bengalas) e que me norteiam. É como se eu perseguisse uma linha, quase invisível, traçada sobre a areia - rastros indeléveis deixados pelos autores dos livros que leio -, e ao andar sobre ela experimento a indescritível sensação de estar trilhando o mesmo caminho... mas olhando com meus próprios olhos, sentindo com o meu próprio coração e, o mais importante, aproveitando esses momentos raros, de solidão essencial, quase cósmica, para uma leitura particular do mundo.

Uma experiência, uma aventura que aconselho, sem o menor vacilo, a todo aquele que, como eu, tenta, porque precisa e tem como primeira necessidade, diminuir, na medida do possível, sua infinita ignorância sobre a existência, sobre o mundo em que vive.

Só não aconselho ninguém a me seguir. Se viajar é preciso, na mesma medida o rumo do meu barco é – em e por princípio – impreciso, porque de meta indefinida. Está na eterna busca, não exatamente de uma direção, mas de um sentido. E a vela, de um furta-cor desbotado, sendo tecida de sonhos, livros e devaneios, é quase transparente, de tão frágil. Como a seda da asa da borboleta. Além de que o mastro, de natureza titubeante, carecendo de prumo, pendendo ora pra cá, ora pra lá, me obriga a um estar quase sempre à deriva. Um navegar solitário, meio à margem, à espera de bons ventos ou de bons livros, que muitas vezes, percebendo minha falta de tino, meu desatino, fazem a vez do destino, e por caminhos de águas desconhecidas ou ocultos desígnios me levam a atracar em portos distantes, dantes nunca imaginados. Ao pisar em terra desconhecida, mas firme, além de me sentir salvo é quando encontro algum sentido em fazer parte deste mundo.

Sempre um misto de susto e deslumbramento, que muitas vezes aponta para o mistério de nunca antes eu ter estado ali, mas também para a quase certeza do que vou ver ao dobrar a primeira esquina.

Talvez seja simplesmente o efeito do meu renascer a cada contato com uma verdadeira obra literária, cujos autores (raros), nunca modernos porque eternos, que escrevem por vocação e não por profissão, me levam a “reencarnar” em lugares onde já “vivi” através de suas preciosas obras.

“Atracar” em Marrakesh, como em Istambul, por exemplo, além da sensação de um misterioso “já vi”, foi como se tivesse caído dentro de um conto das mil e uma noites e destampado a lâmpada e libertando Aladim, o gênio, que em sinal de gratidão derramou o oriente aos meus pés.

Agora e mais uma vez, um bilhete aéreo na mão, os pés que são um leque, pronto para levantar âncoras e de novo me lançar.

O coração já bate diferente... no descompasso da espera.

Que bons ventos me levem!



Carlos Grassioli
Praia da Gamboa SC –Agosto de 2011



3 comentários:

  1. Carlos, querido por natureza. Ano passado prometi que o ano de 2011 seria meu ano sabatico. Eu menti para mim mesma.Diante das dificuldades que me empurravam para uma bolha sufocante de alcool gel, nao realizei sequer a chance de me sentir nula. Mas, viajei, viajei ate demais. Pisei em piso de tabuas arrancadas, pedras e lascas no chao, mas nao fiquei nos degraus da vida por me sentir pequena. Continuei, estou hoje, replanejando meu novo ano sabático, mentindo talvez, novamente, mas me fortalecendo dessa mentira. Como nem tudo é tao ruim, a mentira dessa natureza, nao me corrompe como a da natureza humana de fora. Beijos, nao tente entender, mas se entender, tente sorrir. Eis, uma louca que vive e sente felicidade minima.

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  2. No meio da Belgica, eis que "encontro no caminho" esta pérola de uma pessoa , bonita por natureza, que nao conheço mas que me " empurra", me estimula rumo a aventura. Proxima semana...Sao Petesburgo, nos trilhos de Dostoieviski; " nao caibo em si" de tanta emoçao;
    Valeu, Gilliane.. que familia hein? quero mais;

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  3. Meus queridos. Sou Gilliane de registro de nascimento e Julie por pronuncia, chamada carinhosamente pelo homem que mais me amou: Meu Pai.
    Poeiras ao Vento é a Julie, female arquitetura, a Gilliane. Ambas, encontram-se em conflitos que perpetua uma só. Uma flor, um deserto e a poeira, como num bolo onde a decoraçao é a flor. Que essa viagem, estes encontros com o novo, traga poesias e contos, que me façam seguir rumo à minhas aventuras intrinsecas, e esse amor que acontece entre desconhecidos, só prova que amar é transceder a si mesmo. É o estado no momento. Felicidade minima, já basta!

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