terça-feira, 25 de outubro de 2011

Uma pequena história .

Tão, mas tão solitário era ele!

Era como se não existisse.

Com um lenço em cada mão, por mais que acenasse... ninguém o via ou lhe dava a menor atenção; inclusive as pessoas, por puro preconceito, o consideravam um ser desalmado.

Entre as crianças, corria a lenda de que ele se alimentava, unicamente, de fragmentos de estrelas.

Na verdade, ninguém nunca fez o menor esforço para se aproximar, para conhecê-lo melhor e, como se sabe, todo tipo de resistência, de rejeição e de discriminação tem sua origem na total falta de curiosidade e no absoluto desconhecimento do outro.

E foi ele, o menino, com ar de quem anda sonambulando em pleno dia que através de suas histórias inventadas o colocou pela primeira vez em contato com a poesia e em sintonia com o mundo... em sintonia com ele mesmo. Que o salvou da inexistência e lhe deu alma.

A poesia pura, cristalina como a água da fonte, que envolvia as fantásticas histórias inventadas e narradas a ele pelo menino, tirava-o, libertava-o, por alguns momentos que fosse, da sua tão dura e inexorável rotina.

Era um renascer a cada história.

O menino poeta, um repentista nato, além de ser seu arauto, seu rapsodo, era o único ser que o enxergava, que o via e que lhe dava atenção; mais ninguém.

Nem mesmo naquele triste dia, quando e finalmente entendeu por que o menino havia desaparecido, sem mesmo avisar.

Ao ver passar o pequeno cortejo fúnebre de pessoas humildes, cujo caixãozinho simples de madeira, talhado a mão, levava dentro uma criança, percebeu que se tratava do corpo do menino poeta.

O que ninguém imaginava, porque as pessoas de ordinário usam muito pouco a imaginação, era que o pequeno caixão carregava, não só o corpo de um poeta, mas um pedaço da alma daquele ser solitário, parado ali, a alguns metros da estrada, em silencioso desespero e a quem ninguém — mas ninguém, mesmo — prestava a menor atenção.

Nem mesmo às grossas lágrimas que lhe caiam pelo rosto e que por força do ofício ele não podia secar.

Maltrapilho, como sempre, e agora com a alma despedaçada, sua solidão de novo imensou-se... do tamanho do mundo!

Ali parado em meio ao descampado e de braços abertos, ele clamava, agora e mais do que nunca, por um abraço.

Tão grande quanto impiedosa... espantosa, isso sim, a solidão...

....do espantalho!



Carlos Grassioli.
Inverno de 2011.

Um comentário:

  1. Que absurda meus pensamentos...Eu jurava que o final fosse o Kaspar Hauser...Era algo, alem de mim...

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