sexta-feira, 3 de junho de 2011

Os Dois Lados Da Vida

Debaixo do chuveiro, com toda aquela água caindo como uma carícia,
um sorriso surgiu assim aflito no meu semblante.
De repente vi que era bom ter um chuveiro de onde a água caísse ao
abrir uma torneira, e ao abrir duas as águas se unissem para se entenderem antes de chegarem ao meu corpo.
E que eu tivesse o controle disso, deixava-me uma sensação de onipresença que me levava ao já citado gesto de sorrir feito boba.
E sorrindo ainda, os olhos fechados para melhor sentir-me, esticava a mão para o sabonete, achando bom ter um sabonete à mão, o xampu, a escova para as costas, tudo ali a me gratificar o momento único, eu me dando conta de que ter um chuveiro era ser o orquestrador de uma chuva excepcional, um emulador de São Pedro.
Enquanto durava esse momento de fuga de tudo que não fosse água ou umidade, de tudo que se aproximasse à secura áspera do verão, dentro de mim um canto se fazia, um canto querendo se acompassar ao repicar da água, em harmônico dueto.
Uma cortina servia de anteparo entre a sofreguidão do corpo e a placidez dos objetos lá fora, em servidão.

Tirzar Ribeiro, escritora, nasceu em Ribeirão Preto – SP.
Entrelinhas / aBrace Editora / Uruguay

Um comentário:

  1. Quando eu estou quietinha, meio sem palavras, o mundo conspira e...recebo este texto!
    Obrigada tio, obrigada Tirzar

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