quinta-feira, 28 de julho de 2011

Cantiga para acordar em “si”, ou vida de cachorro

Um pé empurra o edredon. Um olho aberto, o outro dormindo ainda.
Na janela gotas de orvalho riscam o vidro.
É cedo, é frio. É inverno!
Uma mão puxa o edredon de volta, até o nariz. Só mais um pouquinho.
Já acordado. Um leve vapor sobe do mar, uma névoa láctea. O céu, azul claro, com rabiscos rosa-pastel , pintados por alguma criança.
O sol, sem bater ou pedir licença, entra pela porta e pelas janelas, esparramando-se pelo chão da sala, alcançando a cozinha, as cadeiras, subindo pela mesa, pela bacia de frutas, pelo cesto de pão, pela xícara. A cafeteira fumegando e o perfume inconfundível de café recém feito.
Com a gravidade que o momento requer, celebro calmamente, mais uma missa particular em intenção de mim mesmo. Por isso, só por isso, neste momento a felicidade é dona da casa.
Em seguida, animal doméstico que sou, cão de estimação de mim mesmo, satisfeito com meu dono, procuro o velho tapete na soleira, enrosco-me todo, no deleite do meu próprio aconchego, cabeça encostando no rabo, com um único e exclusivo interesse: o meu próprio cheiro.
Se por acaso perguntarem se o dono da casa está, por favor, alguém responda por mim.
Falem como o povo aqui da GAmboa;
Tá ma saiu!


Carlos Grassioli

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